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Questão de hierarquia

Uma questão recorrente no meio jurídico previdenciário atual consiste na obrigatoriedade de que planos de Previdência Privada sejam oferecidos a todos os empregados da empresa. Existe tal obrigação? É evidente que neste artigo não vamos apresentar apenas a lei e perfunctoriamente fazer asserção. As análises pontuais e topológicas da lei não são suficientes para explicar o contexto. A sistemática é o que nos importa. 

Os planos de benefícios de caráter previdenciário estão dentro de um contexto de liberalidade das empresas para com seus empregados. Prova disso são os incentivos fiscais e o componente de exclusão do campo trabalhista que tais planos acarretam. O artigo 202 da Constituição Federal ressalta que tais planos não têm vinculação com o contrato de trabalho. A CLT foi alterada em 2001 no mesmo sentido de excluir Previdência Privada do salário. E a Lei 8.212 isenta de tributação ao INSS as contribuições do empregador a Previdência Privada dos empregados.

Tudo isso mostra que o Estado e o legislador querem incentivar empregadores a efetuarem liberalidades em nome de seu colaboradores, pelos motivos de apoio de proteção social da Previdência Privada sobre o Regime Geral estatal e aumento de poupança interna.

As relações jurídicas previdenciárias se apresentam de forma autônoma. As conseqüências, entretanto, podem influenciar em relações jurídicas tangenciais, criando, modificando ou extinguindo direitos.

A proteção social da Previdência Privada se reflete no prisma do oferecimento dos planos, evitando discriminação. A lei corrobora tal afirmação. Para que os planos de benefícios tenham caráter previdenciário há um requisito muito relevante: os planos de benefícios devem ser, obrigatoriamente, oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores (artigo 16 da Lei Complementar 109).

A Constituição Federal, no âmbito do artigo 194, inicia a regulamentação específica, arrolando princípios expressões inerentes à Previdência Privada[1]. O artigo 202 da Constituição Federal elenca os requisitos gerais, atribuindo relevância: à autonomia, à transparência, à facultatividade e à residualidade ancilar (complementar/suplementar).

A Lei Complementar 109/01, na forma da diretriz contida no parágrafo 1º do artigo 202 da Constituição Federal, tratou das normas específicas de caracterização dos planos previdenciários privados.

Tanto participantes quanto assistidos envolvidos nos planos de Previdência Privada figuram na facultatividade contratual; estão no plano por seu livre alvedrio. O plano pode ser oferecido ao empregado e este pode ou não aderir ao plano.

Cabe aqui uma breve distinção entre participantes e assistidos:

Participante é a pessoa física que adere a um plano previdenciário privado, por meio de contrato de adesão, devendo se submeter ao regulamento específico do plano. É o equivalente ao segurado da Previdência Social.

Não se confunde participante com assistido.

O termo participante advém do cognato em inglês “participant”; mais uma influência norte-americana.

Assistida é a pessoa física que está recebendo o benefício da Previdência Privada; é o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada. (pode ser participante ou beneficiário por ele escolhido).

O participante equivale ao segurado na Previdência Social, Na presciência do art. 8º da Lei Complementar nº 109/01, participante é toda a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e assistido “o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada”. O beneficiário é escolhido pelo livre-arbítrio do participante, dentro do que estiver estipulado no regulamento do plano e no contrato de adesão.

 

A autonomia também foi respeitada, pois a gestão do plano, bem como as hipóteses concessórias são desvinculadas da Previdência Social. Essa autonomia retrata a residualidade do plano. O objetivo do plano é suplementar aposentadorias conferidas pela Previdência Social, agindo como forma de proteção residual.

A questão do empregador contribuir ou não para planos de Previdência Privada em nome de seus empregados é fator de mera liberalidade e política de RH. Se contribuir dentro de certos critérios haverá isenção tributária, por exemplo.

Especificamente sobre o plano aberto coletivo, tal plano deve ter por objetivo a garantia de benefícios previdenciários a pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, à pessoa jurídica contratante. Essa pessoa jurídica contratante tem plena liberdade para contribuir ou somente criar o plano para seus empregados.

Esta liberdade é corroborada inclusive por normas administrativas. A resolução 139 do CNSP, v.g., estabelece alguns conceitos em seu art. 5º:

“Averbadora: pessoa jurídica que propõe a contratação de plano coletivo, ficando investida de poderes de representação, exclusivamente para contratá-lo com a EAPC, sem participar do custeio;

Instituidora: pessoa jurídica que propõe a contratação de plano coletivo e que está investida de poderes de representação, exclusivamente para contratá-lo com a EAPC, e que participa, total ou parcialmente, do custeio”. (grifamos).

Como o princípio é a liberalidade da empresa, e o artigo 202 da CF diz que a Previdência Privada é facultativa, a flexibilidade do sistema permite que haja contribuições pautadas em determinados eventos a serem determinados nos contratos de Previdência Privada.

Logo, é perfeitamente plausível e dentro do ordenamento jurídico apresentado a alternativa de a empresa pactuar suas contribuições de acordo com evento financeiro.

A empresa é responsável pela vantagem de contratar o plano coletivo para seus empregados. Isso é um mérito para a empresa, mesmo que ela não contribua com nada, pois seus colaboradores poderão ter um plano coletivo com taxas de administração e de carregamento mais baixas, além de acesso a investimentos em fundos mais atrativos (em relação a simples planos individuais).

Entidade aberta de Previdência Privada é pessoa jurídica de direito privado que comercializa planos de previdência acessíveis, em princípio, a qualquer pessoa. Porém, pode haver certas limitações, pois os planos coletivos são acessíveis a pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a uma pessoa jurídica contratante. Nos planos abertos individuais (oferecidos pelas entidades abertas), o participante não precisará possuir vínculo algum[2].

Segundo o artigo 36 da Lei Complementar 109/01, entidades abertas são obrigatoriamente sociedades anônimas. Bancos, instituições financeiras e seguradoras são exemplos de pessoas jurídicas que podem oferecer tais planos, mas nada impede a criação de sociedade anônima com objeto social exclusivo de oferecimento de planos abertos.

Os planos de benefícios instituídos por entidades abertas se dividem em (art. 26, I e II, da Lei Complementar 109/01):

 

— individuais, quando acessíveis a quaisquer pessoas físicas;

 

— coletivos, quando tenham por objetivo garantir benefícios previdenciários a pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a uma pessoa jurídica contratante.

 

Nos planos abertos coletivos (que podem ser contratados por uma ou várias pessoas jurídicas), o vínculo indireto se refere aos casos em que uma entidade representativa de pessoas jurídicas contrate plano previdenciário coletivo para grupos de pessoas físicas vinculadas a suas filiadas. Grupo econômico pode contratar um plano para seus empregados, que aderem se quiser. Tal plano pode até ser inserido no contrato de trabalho.

 

Esses grupos de pessoas podem ser formados por uma ou mais categorias específicas de empregados de um mesmo empregador, podendo abranger empresas coligadas, controladas ou subsidiárias, e por membros de associações legalmente constituídas, de caráter profissional ou classista, e seus cônjuges ou companheiros e dependentes econômicos (art. 26, parágrafos 1º, 2º e 3º, da Lei Complementar 109/01).

 

O alcance grupal amplo é incentivo à criação desses planos coletivos, que possibilitam a obtenção de taxa de administração e corretagem reduzidas, assim como rendimentos financeiros superiores junto às entidades, devido às facilidades e do poder econômico da aglutinação de pessoas.

 

A Lei Complementar 109/01 equipara à condição de empregados e associados os diretores conselheiros ocupantes de cargos eletivos e outros dirigentes ou gerentes da pessoa jurídica contratante. A implantação de um plano coletivo será celebrada mediante contrato.

 

É vedada à entidade aberta a contratação de plano coletivo com pessoa jurídica cujo objetivo principal seja estipular, em nome de terceiros, planos de benefícios coletivos (art. 26, parágrafos 4º, 5º e 6º). Quejanda triangulação contratual viria a desvirtuar o principal desígnio da Previdência Privada, que é a garantia dos benefícios contratados.

 

Nos planos coletivos, diferentemente dos planos individuais, a empresa empregadora contrata o plano, podendo custeá-lo integralmente, parcialmente ou, até, não contribuir. Havendo a participação da empresa no custeio, o acúmulo de capital é maior, refletindo nos rendimentos dos participantes. A iniciativa do empregador em criar um plano para seus empregados (liberalidade) gera frutos na produtividade dos empregados, que têm um incentivo a mais para trabalhar, sabendo da existência de plano previdenciário em seu nome por causa da empregadora.

Mesmo com a perda do vínculo entre a pessoa jurídica contratante e o participante que tenham contratado plano coletivo, poderá haver autopatrocínio, onde deverá ser oferecido a este trabalhador participante que rescindiu o contrato de trabalho o direito de permanecer no quadro de participantes do plano coletivo da entidade aberta. Este participante tem o direito de permanência no mesmo plano ou a possibilidade de ingresso em plano individual equivalente (portabilidade ou migração).

O objeto da relação jurídica de proteção previdenciária mantém liame com o fato gerador da relação (contingência social), pois se constitui em meio de saneamento da situação social representada no fato jurídico, isto é, em forma de cessação da contingência social que acomete o sujeito ativo da relação.[3] Este também é o entendimento de Ilídio das Neves:

“Como sabemos, a finalidade essencial das prestações consiste (nos regimes contributivos) em compensar, tanto quanto possível, em função da natureza da eventualidade e da prioridade que lhe for atribuída na cobertura dos riscos sociais, a perda ou redução dos rendimentos do trabalho de que o beneficiário era titular.”[4]

O benefício previdenciário privado, diferentemente do serviço, é prestação de “dar”. O objeto da obrigação é definido, pois, necessariamente, tem de consistir em “[…] atribuición patrimonial em dinero […]”.[5] Os benefícios se apresentam, destarte, num certo quantum, que “[…] representa ou pode representar a taxa de substituição relativamente às remunerações de referência”.[6]

O valor do benefício traduz o resultado indireto da contingência, pois revela a perda patrimonial gerada pela ocorrência do fato jurídico. A aferição do valor da prestação não se dá por estimativa subjetiva “[…] de la mayor o menor efectividad de la necesidad, […]”,[7] mas através de formas objetivas legalmente previstas.

O aspecto objetivo da norma jurídica tem como escopo “[…] dimensionar a intensidade do comportamento inserido no núcleo do fato jurídico, […]”.[8] A base de cálculo é fator de extrema relevância a essa quantificação, visto que, diferentemente da alíquota, relaciona-se com fator subjetivo ligado ao critério material.

A necessidade social gerada pela contingência é o elemento que substancia a proteção. Esta, portanto, existe em favor daquela, ou melhor, em circunstância do seu saneamento, comprovado ou presumido. A base de cálculo de apuração do valor da prestação é elemento paralelo à necessidade, visto ser o responsável pelo seu dimensionamento. A base de cálculo seria, assim, dimensão quantitativa de saneamento do estado de necessidade, isto é, de manutenção do status quo ante relativo à ocorrência da contingência social geradora.


Fonte:www.conjur.estadao.com.b

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